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BASTARDOS DO CARDEAL

from Viseu by Círculo de Fogo

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about

BIOGRAFIA por A. Luís Vaz Patto

Escrever sobre o movimento Punk-Rock em Viseu é quase que apenas falar sobre bAstArDos do cArDeal.
A história dos bAstArDos começa algures em 1980, ano a que chego a Viseu para fazer o 11º ano de escolaridade, e inicia-se no primeiro concerto que aí vejo, os UHF, ainda na fase de “Cavalos de Corrida” e “Jorge Morreu”.
O ambiente, para alguém vindo do Norte do país, era um bocado desolador: o velhinho pavilhão A da Feira de S. Mateus a meio gás, com uma data de friques piolhosos a esfumaçarem pelos poucos poros que ainda não estavam encardidos e uma série de pessoal amorfo que batia algumas palmas nos intervalos dos temas do Ant. Manuel Ribeiro (o que tinha lá levado naquela noite os friques e a maioria da assistência era a banda de baile que fizera a 1ª parte dos UHF, e que iria fazer o fim da festa, tocando temas dos Supertramp, Eric Clapton, Deep Purple, Rolling Stones e outros dinossauros poeirentos).
Eu, os meus crachás artesanais do Johnnie Rotten e muitos saltos fizemos a festa, à qual se juntaram mais dois saltadores pontapeantes: abriu-se uma clareira, demos pontapés e murros amigáveis e no dia seguinte resolvemos fazer uma banda, que intitulámos provisoriamente Humanoid Kids, em honra, penso, de um grupo de skaters a que esses dois pertenciam. Como não tínhamos ideias bem definidas acerca dos instrumentos que gostaríamos de empunhar, fiquei com o baixo e a voz, o Victor Vicente ficou com a bateria e o Zé Pedro Athayde ficou com a guitarra (foi o único que teve opção de escolha, já que era o único que tinha instrumento).
Os ensaios começaram a realizar-se em casa do Athayde, mais propriamente no quarto dele: ligava-se a guitarra directamente ao amplificador do gira-discos, eu encostava a minha acústica na parte de madeira da cama, para lhe aumentar a ressonância e o Victor batia com as baquetas que fizera na escola em almofadas e caixas de cartão... andámos assim bastantes meses. Entretanto mudámos de nome para Escola Estúpida, mais tarde para PIdE (Portas Infectas da Eternidade), depois ainda Honra Perdida, e finalmente bAstArDos do cArDeal. Para além da última designação, que foi a que nos granjeou alguma projecção fora da cidade, ainda conseguimos que um núcleo mais reduzido de amigos recorde com um sorriso a fase PIdE.
Em termos de influências musicais nesta pré-história, penso que não será descabido referir Pistols, Sid Vicious, Ramones, X-Ray Spex, Wire, Clash, Dead Kennedys, Anti-Nowhere League, Anti-Pasti, Plasmatics, Siouxsie, entre outros.
Os temas eram bastante imberbes e teenagers: ódio à escola, às aulas, ao ensino, culto da destruição, do caos, do tenebroso e pouco mais.
Um dos temas mais conhecido no nosso mini universo de ouvintes intitulava-se “Haverá Paz no Túmulo” e marcou um ponto de viragem definitivo na nossa “carreira“ artística: o Athayde fez pela 1ª vez um solo, após uma boa dezena de temas prontinhos para atirar ao público, que nunca mais chegava e fizemos os primeiros grafitis nas paredes da cidade.
O ambiente em Viseu, entretanto, resumia-se a dois grupos rivais: os friques, preocupados em reviver o passado dos irmãos mais velhos, disfarçando essa falha de lógica com as ervas que iam consumindo um pouco por toda a cidade, e aqueles a que chamávamos queques (nunca percebi muito bem porquê) e que paravam em frente aos friques, mas do outro lado do Rossio, no clube elitista que os pais deles frequentavam. As grandes preocupações destes eram as discotecas e os friques.
No meio musical, apenas existiam bandas de baile, que melhor ou pior lá iam agradando a gregos e troianos, quando estes não se andavam a perseguir uns aos outros.
Nós éramos apenas os putos a que eles chamavam punks, desinseridos desta saudável juventude viseense, gozados e escorraçados pela elite musical dos bailaricos.
Por volta de 82/83, fizemos o 1º concerto num festival promovido pela 7UP/RDP.
O Victor por esta altura tinha já andado a experimentar tocar bateria no FAOJ e eu comprei o meu primeiro baixo uma semana antes. A qualidade do espectáculo foi excelente, dentro da medida do possível (se atendermos que fomos das poucas bandas do país a tocar realmente temas originais), mas o júri composto por gente da geração de 50 não pensou da mesma maneira. Penso que foram os berros do Atahyde em cima do palco, indignado “foda-se, então esta merda não dá mais alto“, que nos granjearam desde logo uma colagem ao punk nacional e nos excluíram das finais do dito concurso. Também nunca tinha sido essa a intenção, e foi este espírito que perdurou ao longo das várias formações.
Por esta altura (82/83) auto recruta-se para os bAstArDos um técnico de som, um tal Tupperware (alcunha que tinha junto aos amigos por fazer todo o tipo de aparelhos electrónicos que a tecnologia de então permitia, em caixas da Tupperware), saindo poucas semanas depois o Athayde, que foi viver para Lisboa.
Sem guitarrista e sem local de ensaios, ficámos reduzidos a um baixista sem amplificador, um baterista sem bateria e um técnico de som sem som para trabalhar.
Esta é a segunda fase de bAstArDos. O técnico, de seu nome José Valor, tinha em casa uma viola portuguesa na qual colou uma pastilha de amplificação usada e recomeçámos tudo de novo. Finalmente todos tínhamos instrumentos - um baixo, uma viola amplificada, dois mini amplificadores artesanais em calhas de alumínio ligados a colunas de carros, e uma bateria que nós mesmo fizemos, com uma grande placa de acrílico que misteriosamente por lá apareceu, após uma noite de visita a paragens de autocarro. Após uma breve passagem pelo sótão da casa do Valor para ensaios, mudámos-nos para o vão das escadas de acesso ao Cine Clube de Viseu, um cubículo de 1x2 m2 cedido pela direcção, e no qual tínhamos que estar constantemente a fazer intervalos durante os ensaios, para vir cá fora respirar.
Por esta altura apareceram outras bandas em Viseu, mas eram apenas projectos de café, com muita conversa e complicadas referências culturais, que nem os próprios elementos compreendiam. Assim como apareciam, desapareciam. À nossa volta, continuavam a pairar as bandas de baile. Os friques já andavam de cabelo mais curto e tinham fumado o cachimbo da paz com os queques, sendo todos agora uma grande e risonha família, que continuava a parar pelo extinto café Aquário, ou pela estátua do Infante, então no Rossio mesmo em frente à Rua Formosa.
O 1º concerto fora de Viseu foi no Porto, onde tínhamos relações bastante próximas, nos chamados Concertos da Cruz Vermelha. Tocámos com os Ratus Urbanus, os Culto da Ira e os Croix Saint. Os dois últimos, vedetas da noite, com aquela pose que já então parecia uma doença grave, ficaram sem público, pois após os nossos primeiros acordes, toda a sala iniciou uma violenta cena de pancadaria que só terminou quando acabámos de tocar, na rua, ficando a sala vazia com os elementos das outras bandas. Soube mais tarde que a sala havia sido “conspurcada por meia dúzia de rockers que ali tinham ido à procura de acção. O que procuravam, encontraram e levaram para contar, os que saíram inteiros.
Por volta de 1985, depois de alguns esporádicos e caóticos espectáculos, chegamos a Coimbra, para a apresentação dos Extrema Unção, no já então fechado Teatro Sousa Basto, com os Grito Final de Lisboa.
A organização designa-nos um guia para a estadia em Coimbra e fazemos-lhe uma visita guiada (por ele) às tascas ali ao pé da Sé Velha. O Luís Morgadinho fica logo embutido do Espírito bAstArDo e penso que nessa mesma noite é convidado para integrar a formação como vocalista, convite logo aceite.
Banda já de âmbito nacional, passamos para uma sala de ensaios bastante maior, fruto da boa vontade do grupo de fantoches Juventus (a que o Valor pertencia) e que retribuíamos com espectáculos para os membros do Juventus e seus convidados.
É desta altura, 1986, a participação na colectânea "Divergências", na qual o Morgadinho só tocou balões e fez coros, pois ainda não estava suficientemente maduro para se aguentar à jarda, o que se pode desde logo concluir que a nossa única gravação de qualidade para a posteridade nem sequer é representativa dos bAstArDos de então. Estivemos em estúdio cerca de três horas, a maior parte do tempo à espera que chegasse uma guitarra para o Valor, pois este tinha-se esquecido da dele em Viseu, e a afinar os balões com que vamos acompanhar o tema.
Esta terceira fase de bAstArDos é uma época de exageros e anti-estrelato bastante complexa e confusa.
A banda ganha um performer excelente com o Morgadinho, que vem libertar o meu desempenho no baixo e na secção rítmica, o qual se estende, por consequência, à guitarra do Valor. Note-se que se mantém a recusa em aprendermos a tocar os instrumentos que empunhamos, pretendemos e esforçámos-nos cada vez mais por conhecê-los e pôr neles aspectos das nossas tão diferentes personalidades, o que penso que foi o factor decisivo que faz com que possamos, com uma regularidade quase sagrada, ensaiar quer em Viseu no Juventus, quer em Lisboa na Senófila.
Quando não vestíamos a máscara de músicos, percorríamos os pátios das tascas de Viseu, ou apenas o interior das mesmas em caso de mau tempo, alternando estes passeios diletantes com o jardim dos Cruchéus (hoje Jardim João Ribas), o Bairro Alto e o Cais do Sodré, quando descíamos até Lisboa.
O movimento dos friques e dos queques estava de tal forma diluído que já não se sabia muito bem quem era quem e começavam a aparecer assumidamente putos de calças rasgadas e cabelos em pé que já ouviam música decente. Os locais obrigatórios em Viseu continuavam a ser os mesmos, um coctail misto de ex friques/queques com velhos das aldeias e calés residentes, nos quais mergulhávamos o Morgadinho sempre que por lá aparecia.
Em termos musicais, por volta de 86/87, nota-se a inevitável cisão nos grupos de baile, surgindo bandas com alguma representatividade, das quais recordo os MarianoKalate, extremamente presos ao passado e preocupados com perfeccionismos a mais e as Soltadeiras de Água (ou seriam Largadeiras?), banda feminina bastante original, que além de não ter nada a ver com os odiosos frenéticos dos bailes, funcionava com gravações de água e seus derivados.
É desta altura a 1º grande cisão da 3ª fase dos bAstarDos: as fortes personalidades da banda e o extremo cansaço e stress a que as nossas agitadas vidas nos conduziam (note-se que um dos temas mais interventivos foi todo escrito e ensaiado na velhinha Isabelinha, uma minúscula e aconchegante tasca de Viseu, e depois acabado de madrugada, Rua Direita acima, com manifestações populares e intervenção policial) levaram a que, numa 1ª parte a GNR, na extinta discoteca The Day After, o Morgadinho e o Valor cheguem a vias de facto em cima do palco, durante o espectáculo, tendo logo nessa mesma noite o Valor abandonado a banda e com ele um 2º guitarrista que estava connosco há poucas semanas, de seu nome Duarte.
Perdemos a sala de ensaios e passámos, durante algum tempo a ensaiar apenas em Lisboa, com o Alfredo Baptista, que nessa altura, além de não saber tocar guitarra tinha a vantagem de viver com o Morgadinho, e pouco tempo depois mudámos a sede das hostilidades para Coimbra, onde alugámos uma garagem, para desespero dos inquilinos do prédio da mesma.
Esta é a derradeira hora dos bAstarDos do cArDeal. Cada vez mais fortes e seguros, começámos a hostilizar todas as “famíliazequas“ desta nossa tão pacata sociedade portuguesa, da qual Viseu no fundo é apenas um reflexo mais concentrado, e o que fomos ganhando em termos de público e de amigos desinteressados e altruístas, perdemos relativamente aos grupos de pressão que se sentiram incomodados.
Em termos políticos, a banda nunca foi acomodada a nenhuma ideologia, talvez por ter tido a sorte de nunca ter contado com o apoio de ninguém directamente relacionado com o grande cancro.
No entanto, o facto de politicamente termos nascido e crescido em plena ditadura cavaquista despertou-nos um sentir em primeiro lugar de repulsa e quase ódio (se é que se pode odiar a imbecilidade), pela arrogância com que todos os dias víamos nascer e crescer compadrios, prepotências e a teia da corrupção. É interessante recordar que as várias tendências políticas existentes nos bAstarDos convergiram todas para o mesmo fim, para a denúncia, para a acção, para o desmascarar não só do Cavaco Silva, mas também de todos os pequenos cavaquinhos que pululavam e continuam a pulular por este país fora, na música, nos jornais e na cultura em geral, formando os seus clubezinhos auto promocionais que lhes garantem um tacho pseudo intelectual, do qual vão servindo as suas receitas, sempre as mesmas, sempre iguais, aos papalvos todos que os endeusaram e que deles se tornaram dependentes, pela incapacidade de gerarem ideias próprias.
bAstarDos do cArDeal acabaram quando chegou a altura. Deles resta-me um orgulho enorme e uma saudade imensa por quem já partiu.

Formações dos bAstarDos do cArDeal:
- 1ª: José Pedro Atahyde (guitarra), Victor Vicente (bateria), Ant. Luís Vaz Patto (baixo, voz)
- 2ª: Victor Vicente (bateria), Ant. Luís Vaz Patto (baixo, voz), José Valor (guitarra, efeitos vários)
- 3ª: Victor Vicente (bateria), Ant. Luís Vaz Patto (baixo, coros), José Valor (guitarra, efeitos vários), Luís Morgadinho (voz)
- 4ª:Victor Vicente (bateria), Ant. Luís Vaz Patto (baixo, coros), Alfredo Baptista (guitarra), Luís Morgadinho (voz)

Músicos que passaram pelos bAstarDos do cArDeal:
- António Duarte (Viseu - guitarra)
- João Prats (Lisboa - guitarra)

Bandas ligadas a elementos de bAstarDos do cArDeal (* com registo editado):
- José Pedro Athayde: Dead Dream Factory * (Lisboa)
- José Valor: Centro de Pesquisas Ruído Branco (Viseu), Lucretia Divina * (Viseu), Fonóplia * (solo) (Viseu), Major Alvega * (Viseu), Vodka Twins * (Viseu/Oliveira do Hospital)
- Luís Morgadinho: Micróbio Cósmico * (Lisboa)
- Victor Vicente: Pálido Homem (Viseu), MarianoKalate (Viseu), Tv Toxina * (Viseu), Shiver * (Viseu), Lost Fane * (Viseu), Seeker * (Viseu)
- Ant. Luís Vaz Patto: Lucille Ball (Viseu), Tv Toxina * (Viseu), Major Alvega * (Viseu), O Pânico do Vermelho * (Oliveira do Hospital), Vodka Twins * (Viseu/Oliveira do Hospital), Psychedelic Nations Fly * (Oliveira do Hospital), (d)o Fundo do Poço (Oliveira do Hospital) ainda em actividade

Texto "De Viseu, com ódio....", 2015

lyrics

"RUÍDOS DO CARDEAL"
[Tema ao vivo em 1989]

Olá músicos famosos...
Olá críticos tinhosos...
Olá público em geral!
Está uma bela noite
Um belo dia está
Pr´ós Ruídos do cardeal.
E pr`ós outros tinhosos também

Mas que raio de música mais parva
É só ruído e bastardos do cardeal
E só estrelinhas também

Parou!
Vamos tocar outra merda!
Parou!
Foda-se!

Foram anos duros par'á carola
Foram duros, mas ela aguentou.

Vai-t'Afonso...
Vai para outro sítio qualquer
É só mentes ôcas e caras roupas e altas poses mantidas a gel...?!?!
E ideias altas também

Foram anos duros par'á carola
Foram duros, mas ela aguentou.

credits

from Viseu, released September 21, 2015
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BASTARDOS DO CARDEAL
LastFM: lastfm.com.br/music/Bastardos+do+Cardeal

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